Aventuras trompísticas - Holanda

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Numa madrugada do mês de Fevereiro de 2012, estava eu no aeroporto de Belém com meus pais. Naquela noite, estava chuviscando – e para um paraense, uma chuva daquelas de madrugada é mais um motivo pra se enrolar no lençol na cama quente – e meus pais ainda não acreditavam na loucura que eu tinha me metido. 

Tudo começou em junho de 2011, no tradicional festival de música que ocorre todo ano no conservatório Carlos Gomes, quando conheci um professor holandês chamado Stefan, que veio como artista convidado para participar do referido festival. Tive o prazer de passar bons momentos com Stefan, aprendendo um pouco mais sobre a sua cultura e maneira de tocar. Fui algo parecido com um guia turístico, pois tinha sido a primeira vez que ele estava no Brasil. Stefan ficou maravilhado com os nossos bosques, rios, com o ver-o-peso e principalmente com o nosso clima. Lembro também que fomos juntos com os outros músicos holandeses na ilha do Combu. E, nessa viagem tive a oportunidade também de conhecer um pouco mais o maestro Jacob Slagter, que antes de se tornar maestro foi um trompista de renome na Holanda e passou muitos anos como trompista principal na Royal Concertgebouw Orchestra, naquela tardinha recebi conselhos valiosos para minha carreira.

Na época, eu era professor de trompa no Conservatório e fui responsável por traduzir as aulas – do inglês para a língua portuguesa – para situar o leitor, meu nível de inglês é básico, e no universo musical, os diálogos não são tão complexos -. Durante o festival aproveitei a oportunidade para tocar o tradicional concerto de Mozart n.4 com cadência e alguns trechos orquestrais, que por agora não lembro e naturalmente nesse curto tempo, nos tornamos bons colegas e até tocamos juntos na orquestra do Festival. 

Durante algumas conversas sobre a escola holandesa – a forma de tocar – eu perguntei como funcionava o conservatório na Holanda, pois Stefan era professor de trompa na School of Arts em Arnhem, uma pequena cidade no sul da Holanda. Desde muito novo, eu sonhava em viajar e ter vivências musicais em outros países, então Stefan disse que eu poderia fazer um intercâmbio com ele, durante o inverno no próximo ano, que era em 2012. Então passei os próximos meses economizando e claro, organizando minha agenda. Já tinha ido para a Alemanha, então não era a primeira vez que eu estava cruzando o oceano atlântico.

Após comprar minhas passagens, escrever algumas frases em inglês, já com os euros contados e com alguns documentos impressos, em fevereiro daquele ano, por volta das 14h estava desembarcando em Amsterdã, num inverno que marcava 7ºC. Foi meu primeiro contato com um típico inverno europeu, ao pisar fora do aeroporto, fiquei deslumbrado com tanta neve, um branco que nunca tinha visto antes. 

Nas minhas viagens sempre levo 3 bagagens, o case com a trompa, uma boa mala e uma mochila. O grande susto foi que Stefan havia combinado comigo que estaria no aeroporto me aguardando, porém, não foi bem assim que aconteceu. Passaram-se algumas horas e nada dele, fiquei bastante preocupado, pra ser mais exato, um pouco desesperado, pois já passavam das 18h e eu não tinha onde passar a noite, abri minha mochila e tirei alguns papéis, dentre eles, o número do celular de Stefan, porém eu não sabia como comprar créditos no telefone público, nessa época o WhatsApp ainda não era o aplicativo que conhecemos hoje, ainda estávamos no Windows Live Messenger, e para utilizar a rede Wifi do aeroporto era necessário pagar.

Então saí do aeroporto e percebi que no mesmo quarteirão havia um hotel, e não era um hotel pequeno, me parecia de uma grande rede e o hall de entrada era um salão imponente, de teto alto e com um lustre que me lembrava o do teatro da paz. Ali, com minhas frases decoradas em inglês, me apresentei gentilmente ao recepcionista do hotel e pedi para usar o telefone para fazer uma chamada de emergência. O atendente começou a responder com um tom elegante, e quando comecei a compreender o que ele dizia fiquei espantado, fiquei sem reação e pedi para que ele repetisse.

– Sorry, but this service can only be used by guests.

– Desculpe, mas este serviço só pode ser usado por hóspedes.

Ali tive a impressão que o recepcionista estava querendo que eu me tornasse cliente no hotel. Agradeci a atenção e voltei para o aeroporto pensando no que fazer, mas não estava acreditando naquela resposta.

De volta ao aeroporto, tirei minha carteira do bolso, observei meu cartão de crédito e pensei como se eu estivesse falando com o meu próprio cartão: será que você aguenta uma noite no hotel? Talvez sim ou não?  E agora? o que vou fazer? Comecei a pensar em todas as possibilidades: será que o professor esqueceu de mim? Ou será que ele não entendeu muito bem que eu chegaria hoje? E se realmente ele não aparecer?

O intercâmbio era um pouco mais de 30 dias, sendo que os primeiros dias eu ficaria num quartinho na casa do professor – que paguei alguns euros por isso – e o resto passei num apart hotel turco, que achei próximo de uma estação, tenho quase a certeza que foi um dos mais baratos daquela região. Ou seja, se eu comprasse uma água além do programado, já me quebraria, imagine uma noite num hotel próximo ao aeroporto. Nesse desespero, fiquei perto da entrada do aeroporto, caso Stefan aparecesse em poucos segundos já poderia me achar, e assim fiquei por mais uma hora. Passava das 19h, ainda estava claro e eu quase pescando de tão cansado, ouvi um grito lá fora…

– Hey Sóstenes…

Olhei para o estacionamento, e consegui avistar o Stefan próximo do seu carro, eu não sabia se eu estava sonhando acordado ou se estava imaginando, mas foi uma sensação de alívio. Stefan me disse que teve um imprevisto e acabou se atrasando. Minha vontade era de questioná-lo como ocorrera o atraso. Todavia, mantive a calma, pois como aluno precisava manter uma relação cordial com o professor, e aquele ainda era o primeiro dia. Não seria nada inteligente gerar um desentendimento naquele momento.

No final das contas, o intercâmbio foi profundamente relevante na minha carreira, apesar de ser curto, considero que valeu mais que um diploma de graduação, além de ter aulas diárias sobre trechos orquestrais, aprimorei meu inglês, aprendi algumas palavras em holandês, conheci pessoalmente o construtor Klaus Fehr e na oportunidade pude testar um dos seus novos modelos de trompa dupla – que naquele momento era pouco conhecido -,  convivi com uma família e pude conhecer um pouco dos seus costumes, da cozinha holandesa, das tradições familiares. Conheci também a Escola de Artes em Arnhem, tive contato com outros trompistas (estudantes e profissionais e  ainda fiz um cachê (quarta trompa) na orquestra em Arnhem. Foi uma experiência incrível! O que eu aprendi com as adversidades que passei? Sempre leve uma quantia de dinheiro a mais do que você precisa, imprevistos acontecem, e se Stefan não aparecesse? Tenha um plano B, o meu erro foi que estava contando apenas com o plano A. 

Resultados do intercâmbio: assim que cheguei em Belém, apliquei audição para a Orchestra of The Americas. Foi uma daquelas provas que você faz apenas para se testar, não esperava passar. Porém, o destino tinha outras aventuras musicais, consegui a vaga, ganhei a bolsa, e viajei por 7 países durante 40 dias, e várias performances com 2 CDs gravados. 

Mas essa história fica para outro dia.