Decisões

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Sost Siqueira

10 de outubro de 2023

Decisões

 

De alguns meses pra cá, tenho ampliado minhas relações com outros alunos que não são trompistas, mas instrumentistas de sopro. Desde uma palestra que apresentei na banda da escola de música da universidade, alguns músicos se aproximaram com diversas dúvidas sobre trajetória profissional.

Para ajudá-los, senti que deveria criar pontes com esses alunos. Porém, pontes com estruturas fortes. Não me considero um professor fechado, sempre deixo minha porta da sala aberta. Todavia, uma conversa de corredor com esses alunos, talvez não tenha um efeito duradouro, e para que recebessem essas orientações, apresentei uma proposta na escola para a criação de disciplinas eletivas que contemplem essas pontes. Atualmente ministro as seguintes disciplinas: trompa, música de câmara, prática de repertório, prática de naipe, preparação para audições orquestrais e perspectivas de carreira para o músico de sopro.

Para a minha surpresa, no desenrolar das nossas aulas percebi que muitos jovens não possuem um alvo, uma direção, uma estratégia para alcançar um determinado objetivo. Acredito que isso se dá por algumas razões, e uma delas por um diálogo mais profundo com seus professores de instrumento. E aqui abro um parêntese para deixar claro que não estou criticando ou desqualificando os professores que acompanham esses alunos. Ao contrário, andando pelo Brasil afora, percebo professores brilhantes e a grande maioria se preocupam com a formação dos seus alunos.

Contudo, faz se necessário situar o leitor sobre o ofício do professor nas universidades brasileiras. Essas atividades não se limitam apenas em ministrar aulas, por trás disso há diversas camadas/obrigações que demandam tempo. Para referenciar essa afirmação, cito Zabalza (2004), que menciona que os professores universitários, além de ensinar, desempenham as funções de pesquisar, administrar, negociar e de manter relações institucionais. Quando adentrei na Universidade, senti o impacto do meu novo ofício, eu imaginava que deveria apenas focar no conteúdo das aulas práticas de trompa, preparando esse discente para o mercado de trabalho ou para a continuação da sua formação.

Uma das primeiras coisas que precisei “afinar” foi a escrita, pois para qualquer passo dentro da universidade o professor precisa escrever, sejam relatórios, projetos de extensão/pesquisa, atualizar ementas e conteúdos, pedidos de afastamentos ou até mesmo uma solicitação para estudar aos sábados/domingos. Percebi que precisava criar o hábito da escrita. Essa habilidade não estava instalada na minha mente e tive ajuda de alguns colegas que me receberam muito bem na escola de música.

Em virtude dessas várias camadas de atividades do professor, por vezes o aluno acaba não recebendo uma orientação mais profunda. Ao se formar, acredito que mesmo com algumas lacunas vazias, esse estudante consegue dar o próximo passo em busca dos seus objetivos. O ponto é que grande parte desses estudantes geralmente conseguem atingir esses objetivos com uma certa demora por conta de decisões tardias ou equivocadas, perdendo um grande tempo tentando “atirar” para todos os lados. Por vezes, sem saber o que fazer, alcança um determinado objetivo e acaba se tornando um profissional frustrado por não se identificar com o passo que já foi dado.

Por exemplo, uma aluna chamada Ana, (nome fictício) ao mesmo tempo que ela fazia o curso técnico em um determinado instrumento na escola de música – que é voltado para práticas musicais – estava fazendo paralelamente um curso de licenciatura em música, porém não se identificava com o curso, porque preferia atuar mais na área de performance, e estava arrependida de ter entrado no curso superior, porém faltava apenas um semestre para se formar. Esse tipo de conduta ocorre muito mais do que podemos imaginar, muitos jovens músicos não conseguem olhar pra dentro de si, de descobrir onde realmente gostariam de atuar como profissionais, e acabam perdendo tempo fazendo escolhas equivocadas e no pior cenário, desistindo da música.

Na semana que passei em Salvador, pude falar um pouco sobre essas categorias e possibilidades de carreiras. Atualmente enxergo quatro caminhos possíveis para se trilhar uma trajetória profissional no universo musical: banda sinfônica (militar ou civil), orquestral, área docente, e o músico online – que atua como um freelancer, mas ao mesmo tempo consegue adquirir capital através das atividades online. Sendo as duas primeiras mais buscadas pelos alunos.

Penso que para cada possibilidade de carreira, há uma preparação diferente, há um repertório diferente, o que requer dos músicos condutas e estratégias totalmente diferentes. Enxergo muitos alunos que “atiram” para todos os lados, e acabam não conseguindo acertar um alvo, ou seja, o estudante faz uma prova para sargento músico, e no mês seguinte tenta uma vaga numa orquestra experimental e no semestre seguinte tenta uma vaga para ser professor/estagiário em alguma escola particular. Penso que isso ocorre de maneira natural para o aluno, já fui assim… Quando jovens queremos fazer tudo, e acabamos não ouvindo as vozes mais experientes. Esse comportamento faz com que o jovem padawan não perceba o quanto ele gasta de energia, tornando um determinado alvo – que já é difícil – mais complicado de se alcançar.

Gostaria de deixar a reflexão que o jovem músico precisa conhecer essas carreiras, precisa ter uma noção de como é o cotidiano dessas profissões. Por exemplo, nas bandas militares você precisa estar ciente que o ofício não é apenas musical. Antes de ser músico você é militar, então certamente há atividades cotidianas fora do contexto musical. De igual forma que as bandas militares não performam apenas em teatros exuberantes com um repertório desafiador para o músico, por vezes a banda precisa marchar/tocar, debaixo de um sol com um calor desconfortável. Você já parou para pensar nisso? Não estou menosprezando essa prática, meu pai foi militar/músico (clarinetista) e quando eu era criança, adorava vê-lo na praça da república na semana da pátria, marchando/tocando.

Dentro do ambiente orquestral, o estudante também precisa ter consciência do cotidiano. A performance de um músico orquestral requer um alto nível técnico-musical, não apenas isso, mas também de manter essa qualidade técnica. Caso contrário, pode ser convidado a se retirar da orquestra, ou se por alguma razão o músico não se alinhar com os pensamentos de uma determinada gestão, também pode ser convidado a se retirar. Conheço grandes músicos, grandes nomes do país que passaram por essas situações. Há uma orquestra no Brasil, que numa determinada gestão, quando o músico errava uma nota no concerto, era chamado e pressionado pelo maestro, quando isso ocorria de maneira contínua, esse músico recebia uma carta com sua demissão. De igual forma, uma gestão – direção artística –  pode ser positiva para a orquestra, elevando o nível musical, com uma rotatividade de regentes, possibilitando experiências diferentes para os músicos,  modernizando as atividades da orquestra com gravações, criação de álbuns, turnês em outros estados e países. Assim  como destrutiva, com uma gestão de cunho pessoal e engessada, não musical e provinciana, com pessoas que não possuem condições artísticas musicais de conduzir/reger uma orquestra sinfônica, sem falar das condições de trabalho absurdas.

Após conhecer suas opções profissionais, foque no seu plano de ação. Tenha ciência que para cada concurso/prova ou audição há um caminho diferente, um repertório diferente, ou seja, rotinas diferentes. Tentar se inscrever em tudo ao mesmo tempo, fará com que você gaste muita energia e esforço sem direção, o que dificulta alcançar um objetivo. Já quando você foca a mesma energia que antes estava dividida em vários alvos, porém agora apenas em uma direção, você acaba maximizando a eficiência da sua ação, o que melhora a sua produtividade e consequentemente a sua preparação.

Concluindo, nesse meio tempo procure conhecer esses ambientes de trabalho. Faça uma visita, converse com esses profissionais que atuam nessas áreas. Tenha mais de uma opinião e tente se enxergar ali, se questione, é interessante? Serei feliz nesse ambiente durante minha trajetória profissional? É o que realmente desejo fazer?

 

Referências

ZABALZA, M. A. Diários de aula. Um instrumento de pesquisa e desenvolvimento pessoal. Porto Alegre: Artmed, 2004.